quarta-feira, 25 de julho de 2012

Dia incomum


Dia incomum
Mário Valladão



Sabe aqueles dias em que você acorda com vontade de mandar flores pro delegado, lhe desejar bom dia e beijar o português da padaria? Hoje eu acordei assim. Não sei se algumas circunstâncias colaboraram pra isso; um belo dia de sol, temperatura agradável na faixa dos 20, 21 graus no máximo, e ainda por cima sexta-feira! Ô sexta-feira santa!  Depois de um café rápido saí pra caminhar como de costume. Aos quarenta e uns... A gente começa a se preocupar mais com a saúde, as gordurinhas e tudo o mais. O problema de ser um pouco gordinho é ter de ouvir os conselhos:

    - “Eu conheci uma senhora que emagreceu 4 quilos em uma semana só tomando essas pílulas”!

     - “Sabe o que você tem de fazer..., ó, eu vou te explicar direitinho!”

O engraçado é que geralmente os resultados só acontecem com “aquelas tais” pessoas mencionadas.

Enfim, saí. Fone de ouvido grudado ao som do violão do Guinga ( depois de ouvi-lo sempre tenho vontade de jogar o meu violão fora e esconder de todo mundo que um dia “tentei” tocar o pinho!). Mas não desanimei e prossegui ofegante a minha caminhada. Cheguei ao parque e comecei o ritual: alonga daqui, estica dali, quande vi passar lentamente uma senhorinha indumentada apropriadamente com o seu jogging me encarando como se eu estivesse lhe importunando de alguma maneira. Será que aquele pedaço de banco de jardim era o pedaço dela e eu sem saber de nada invadi suas terras? Seria eu confundido com um desses líderes do MST? Acho que não, pois meu boné era azul e a minha camiseta cinza. Se bem que ultimamente tenho sido barrado por aí:

    - Oopa, opa, onde o senhor pensa que vai?

E lá saio eu explicando...  Talvez eu me pareça com um desses larápios que aparecem diariamente nos telejornais sensacionalistas. Espero que não, mas é duro de admitir, mas acho que é por causa da cor da minha pele mesmo! Quando um de meus filhos era pequeno um dia me perguntou:
     - Pai, por que você é marronzinho?

Voltando à pequena senhora... Um pouquinho mais pra frente ela pára (e continua me encarando!) e começa também a se alongar. Eu disfarçadamente, de vez em quando, tronco curvado pra baixo, braços caídos ao chão, cabeça abaixo do joelho, espiava o alongamento da tal senhora que logo batizei de dona Elástica. Foi uma humilhação! A senhora colocava a perna onde queria, as palmas da mão no chão, o tronco girava e girava, os braços voavam de lá pra cá feito aqueles bonecos de Olinda, e ela me olhava e sorria. Entendi o recado. E eu que pensava que estava arrasando, percebi que perto dela era apenas mais um principiante, mas não desanimei!Lembrei-me do delegado; do português da padaria, e prossegui caminhando.

Na velocidade de meus passos, confesso, um pouco cambaleantes, fui pensando nas dívidas, ops, na vida, que não caminhava tão bem assim etc. Viro a esquina, e dou de cara agora com Adoniran e Elis (no fone de ouvido, é claro); de tanto levá frechada do teu olhar, meu peito até parece sabe o quê ? E lá se vai o meu peito sofrido a lembrar que o casamento não vai tão bem assim, o trabalho não vai também..., mas afinal, o que importa? O dia não estava tão lindo? Tudo se resolve num dia desses!Logo pensei! E senti o meu ofegante coração batendo outra vez com esperanças, diria o Cartola. Diminuí os passos ao avistar uma feira. Aquele cheiro me trouxe boas recordações. Tirei um dos fones do ouvido e logo ouvi:

     - Três por cinco!

    - Vai senhora! Fresquinho, fresquinho,

     - Moça bonita não paga!!! (manjadíssima)

E aquele burburinho...

A voz anasalada e aguda do nordestino me fez rir sozinho, ao menos aqui não seria barrado novamente, me senti participante do povo novamente. Animado me lembrei de uma música que seria perfeita como trilha daquelas imagens, “saudade assim faz doer e amarga que nem “jiló”, mas ninguém pode dizer que me viu triste a chorar, saudade o meu remédio é cantar! Laia, laia, laia,... e dá-lhe sanfona!

 Cheguei ao fim da feira e a música já era outra, agora instrumental. Parado pra esperar o sinal, (semáforo para os que não vivem em São Paulo), abrir. Enquanto isso se aproximaram diversos cachorros bem cuidados, conduzidos por um cachorreiro, isso é meio novo por aqui, lembro-me de ter visto isso há muitos anos em Buenos Aires. Os cachorros muito bem cuidados, um labrador, uma chihuahua (Meu Deus é assim que se escreve?), um pastor alemão e dois poodles se enroscaram por entre as minhas pernas pedindo pra brincar. Meio sem graça, meio amedrontado, arrisquei um carinho, mas logo o sinal abriu e todos saíram em disparada. Como tudo passa rápido nessa cidade! Caramba pra que tanta pressa?

Estou quase chegando ao meu destino tentando organizar melhor o meu dia que não será fácil! O suor já escorre pela testa, pelas costas, sinto que perdi uns cinco quilos, mas a balança da velha Pharmácia (bota velha nisso), prontamente me desmente, e não tem como ter erro, pois é a mesma balança da velha drogaria de todos os dias.Ouvi claramente a voz daquela senhora que tentava me ajudar, mas não desanimei, afinal o dia não estava mesmo lindo, lembra?

     - “Não falei? Se você tivesse tomado aquelas pílulas! Ao menos ajudaria".

Subi as escadas de meu prédio lentamente... Primeiro andar, segundo, sétimo... Pensei que não ia conseguir chegar ao décimo segundo como planejei, (confesso que parei por duas vezes). E  engraçado a alegria de ver mais aquele dia nascer estranhamente para mim não diminuía, e isso não é comum, em dias normais já teria chutado (literalmente) a lata do lixo.

Inexplicável como às vezes uma paz, tão misteriosa quanto a vida, nos arrebata assim...

Dia incomum aquele! Sei que talvez não tenha outros assim tão breve, mas espero que muitos outros venham e sejam tão incomuns como este! 

2 comentários:

  1. Leve e muito gostoso de ouvir, desenhei toda a cena.
    Pior que tenho vivido isso também.

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  2. quando descobrir o segredo das tais pílulas conta pra gente?

    Parecia que estava junto na caminhada...

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